A parábola do filho pródigo sempre me tocou de forma diferente. Como autista de nível 2 de suporte, vivo o mundo com filtros e intensidades que nem sempre são visíveis aos outros. Leio essa história não apenas como alguém que busca entender o perdão, mas também como alguém que luta para se sentir pertencente em um mundo onde as regras sociais nem sempre fazem sentido.
Na história, um dos filhos pede sua parte da herança e parte para longe. Gasta tudo, sofre e, em desespero, decide voltar para casa. Espera julgamento, mas encontra o pai de braços abertos. O outro filho, que ficou, se sente injustiçado por nunca ter recebido tamanha festa, mesmo sendo obediente.
Por muitos anos, me vi como o filho mais velho. Faço o que é esperado. Tento seguir regras. Evito problemas. Mas não entendo por que, mesmo assim, tantas vezes me sinto invisível. Quando alguém que errou “volta” e é celebrado, como o filho pródigo, minha mente lógica e sensível questiona: “Isso é justo?”
Mas com o tempo, também me reconheci no filho que partiu. Não porque me rebelei, mas porque, em muitos momentos, me afastei por não me sentir compreendido. Às vezes, precisei me isolar porque o mundo era barulhento demais, caótico demais. Em certos momentos, me senti perdido, não por escolha, mas por não saber como me encaixar. E quando voltei, nem sempre fui recebido com festa. Às vezes, só com silêncio ou confusão.
A figura do pai é a que mais me consola. Ele representa alguém que ama incondicionalmente. Ele não exige que o filho explique tudo, nem o corrige imediatamente. Ele apenas abraça. Como alguém autista, esse tipo de acolhimento — sem cobranças excessivas, sem exigências de explicações imediatas — é raro, mas profundamente necessário.
Essa parábola me ensinou algo importante: cada um tem seu tempo, sua forma de existir e de errar. O filho que partiu não era mau. Ele estava perdido. O filho que ficou não era egoísta. Ele queria ser visto. E o pai… ele foi o elo de empatia entre dois mundos que, como o meu, muitas vezes falham em se comunicar.
Como autista, desejo que as pessoas compreendam que às vezes nossos “erros” não vêm de rebeldia, mas de exaustão ou confusão. Que nossos silêncios não são desprezo, mas esforço para processar. E que, como o pai da parábola, todos precisamos aprender a acolher — sem julgamento imediato — aqueles que caminham diferente, inclusive nós mesmos.
A história do filho pródigo, sob meu olhar, é menos sobre certo e errado, e mais sobre a coragem de voltar, a dor de se sentir incompreendido e o poder do amor que não precisa entender tudo para abraçar por completo.